Statue-Poème de Camilo Pessanha! Auteur Lusophone!

Publié le par Rosario Duarte da Costa

Estatuas
Auteur Lucianna www.olhares.com

Estátuas do Cochicho
Auteur Fatima www.olhares.com

 

Estátua


Cansei-me de tentar o teu segredo

No teu olhar sem cor-frio escalpelo,

O meu olhar quebrei, a debatê-lo,

Como a onda na crista dum rochedo.

 

Segredo dessa alma e meu degredo

E minha obsessão! Para bebê-lo

Fui teu lábio oscular, num pesadelo,

Por noites de pavor, cheio de medo.

 

E o meu ósculo ardente, alucinado,

Esfriou sobre o mármore correcto

Desse entreaberto lábio gelado...

 

Desse lábio de mármore, discreto,

Severo como um túmulo fechado,

Sereno como um pélago quieto.

Camilo Pessanha

In “Clepsydre

 

Statue

Je me suis lassé de sonder ton mystère

Sur ton livide regard- froid scalpel,

Mon regard s’est brisé à vouloir le défier

Comme la lame sur la crête d’un rocher.

 

Secret de cette âme, mon exil

Et mon obsession ! Pour m’en l’abreuver,

Je suis allé apeure, baiser tes lèvres

Comme un cauchemar, par des nuits d’épouvante.

 

Et mon baiser ardent, halluciné,

S’est glacé sur le marbre impeccable

De tes lèvres glacées entrouvertes…

 

 De ces lèvres de marbre discrètes,

Sévères comme un tombeau scellé,

Sereines comme des flots apaisés.

Traduction de Rosario Duarte da Costa

22/07/2009

Copyright


http:/www.lithis.net
Camilo Pessanha: Poesia

Chorai arcadas do violoncelo

A música do violoncelo provoca um estado de alma ansioso, um sentimento de misteriosa tristeza. Mas este sentimento não é dado directamente; é apenas sugerido por uma série de imagens e associações. O poeta não nos afirma que fica triste, ansioso, inquieto, ao ouvir o violoncelo. Mas logo a apóstrofe "chorai arcadas" nos revela o carácter triste da música. O poema assenta, pois, numa intuição associativa que liga o som grave do violoncelo ao sentimento de dor e de mistério.

"Arcadas" designa a corrida do arco sobre as cordas e evoca também o sentido de arcarias. "Arcadas", por associação trouxe à imagem "pontes" que também são "arcadas". A música evoca, pois, no seu gemer contínuo, um curso de água. A ligação ondulante dos versos das duas primeiras estâncias evocam formalmente um curso de água.

Os adjectivos "convulsionadas" e "aladas" vêm dar a "pontes" a sugestão do arco que voa e provoca o vibrar das cordas. "De pesadelo" vem acentuar o movimento febril e ansioso que já tinham começado a esboçar os adjectivos "convulsionadas"e "aladas".

Na 2ª. estancia, já se fala dos "arcos" das "pontes". Note-se a analogia e contínua associação de palavras e conceitos: tal como o arco sobre as cordas, também as pontes são "aladas" e os seus arcos "esvoaçam", até que a sensação do rio corrente nos aparece mais clara: "Por baixo passam,/Se despedaçam,/No rio, os barcos."

Acentua-se agora mais a impressão da tristeza. "Chorai arcadas" repete-se, intensificado, em "fundos soluçam". Não só o sentido do verbo é mais forte e os timbres mais escuros, mas também o modo do verbo se modificou acentuando agora a realidade presente, avassaladora do som. Há a impressão de que a noite paira na poesia: já se não vêm arcadas brancas na ponte, nem barcos passando; ficou apenas o rio agora transformado em caudal.É impossível uma localização fixa no espaço e no tempo; as correlações e analogias produzem apenas a inexorável sensação do fluir. As "arcadas" foram primeiro do violoncelo, depois arcos de pontes e agora são de novo o correr do arco sobre as cordas donde brotam caudais de música triste ("choro").

A poesia carrega-se mais de amargura: "Que ruínas: (ouçam)/Se se debruçam,/Que sorvedouro".

As imagens vão-se alterando ao sabor do movimento do poema: as "pontes convulsionadas", os "barcos despadaçados", repetem-se noutras imagens, ilustrando melhor a impressão do estalar do coração na visão das "ruínas". Uma sensação de distância (profundidade) engrandece a ideia de "caudal" e enquadra-se no sentido profundo de todo o poema.

Subitamente, o movimento parece afouxar. A frases perdem o verbo (acção) e afigura-se-nos que os arcos deixaram de correr sobre as cordas, que a música vai desaparecendo…

"Trémulos astros" é uma imagem nova, uma sugestão de luz, que surgiu por contraste com o tom escuro da estância precedente e com as "solidões lacustres". Agora já não é um caudal que passa, são lagos que alastram, ermos, escuros… As ruínas arrastadas no caudal vieram dar ao lago escuro: "lemes e mastros", restos de barcos despedaçados. Dir-se-ia que os violoncelos evocam no nosso espírito as quilhas, as cordas, os cabos dos navios…

A ideia de ruína intensifica-se ainda. "E os alabastros/Dos balaústres!/Urnas quebradas/Blocos de gelo…" tudo isto nos sugere a ideia de brancura, de fragmentação de coisas brancas, a ideia de uma acrópole destruída, E, por cima deste cemitério imenso e solitário, o poeta gostaria de ouvir uma música apropriada, saída dum instrumento também em ruínas (sempre a associação!): "Chorai Arcadas,/Despedaçadas,/Do violoncelo".

É preciso entrarmos bem no mundo poético de Pessanha para que os seus poemas não nos surjam como um desconjuntado de frases absurdas. As imagens constantes, as lúcidas conotações e associações são o segredo da unidade do poema. Pessanha é extremamente sensível à luminusidade e ao som, daí as sinestesias frequentes. Os estímulos sensoriais combinam-se, aproveitam-se mutuamente, para produzirem, neste poema, a impressão de água corrente, das ruínas, dos destroços. "Fundas, soluçam/Caudais de choro/Que ruína's (ouçam)". Evocam imagens visuais: "fundas", "caudais", "ruínas"; imagens auditivas: "soluçam", "choro", "ouçam". "Ouçam ruínas" é uma sinestesia que nos sugere não apenas as ruínas em si mas também o cataclismo que as provocou.

Imagens que passais pela retina

Tema: a fugacidade da vida, a dolorosa consciência de que a realidade para ele não passa de imagens rápidas, passageiras.

O tema apresenta, aqui, um desdobramento. À 1ª. pergunta inquietante, segue-se uma 2ª. carregada de niilismo. A uma atitude ansiosa traduzida nas perguntas, a traduzir a certeza de que tudo passa, segue-se, pois, nos tercetos a afirmação do nada que é ele e o homem o qual, à semelhança de Tantalo, não consegue prender a vida, que passa, para matar a sede de viver. Nesta 2ª. parte, justifica o poeta esse niilismo, pois os olhos, embora abertos e não cegos, são pagãos, nada fixam, nada pensam, são espelho inútil, aridez de sucessivos desertos, tudo despido e até os seus dedos incertos têm "movimentos vãos". Notem-se, nesta sequência de elementos conotativos de niilismo, os pares abstracto-concreto ou concreto-abstracto (olhos pagãos; aridez de desertos; espelho inutil; dedos incertos, sombra das mãos; movimentos vãos). Da mesma forma que são passageiras as imagens da vida, é fugaz a sombra; mas, apesar de tudo, o poeta agarra-se a ela como a única forma de presença possível na incapacidade de segurar a realidade, que não passa de imagens. E o imperativo fica traduz a ansiedade do poeta perante esse evoluir imperdoável, refugiando-se neste último recurso que, assim, restringe a vontade do todo numa parte.

A mudança não tem tempo; nela não há passado nem futuro, a vida é sempre no presente, que é rápido, e sempre a caminho do fim. Note-se, pois, a escassez de verbos, e, portanto, de orações, principalmente subordinadas. Nos verbos, aos que traduzem movimento como passais (duas vezes), ides e levais, contrapõem-se os de estabilidade fixais, termina, domina, fica. Mas estes são anulados por aqueles e, nem sequer termina e domina destroem esta noção de movimento que só acaba com a morte.

São abundantes as imagens simbólicas, significativas, de uma poesia abstracta a traduzir uma atitude de dúvida, ansiedade, desencanto, como já dissemos. Esses simbolos ou são dados directamente pela metáfora: "os olhos" (espelho inútil = aridez…), morte = fonte, para nunca mais = lago escuro (uma e outra com sentido gradativo crescente) ou indirectamente pela comparação: Imagens/que passais como a água cristalina (a comparação sugestiva do quase invisivel, do quase impalpável); ou, até mesmo, pelos sons: o predomínio da sibilante a conotar a ligeireza do tempo; a intensidade do som i gritante nas quadras mais tradutoras dessa ansiedade (11 vezes aparece eie), reduzindo-se nos tercetos à medida que se atenua essa angústia sem remédio, assinalando-se, até, o predomínio do som fechado oral ou nasal, mais cheio e rico de som; ainda sugestivo o emprego do som u fechado: escuro, curso com a sua conotação espacial.

As imagens simbólicas registam-se ainda a nivel de localização espácio-temporal que não conta na poesia de Pessanha. Aqui, simbolicamente nunca mais nega o tempo e lago escuro nega o espaço e levam-nos ao pensamento da morte, como vimos já. Note-se a antítese entre lago escuro - morte, o que é eterno, e água cristalina - vida, o que é efémero, o que passa: a água cristalina aponta para a efemeridade da vida que passa sem se dar conta, assim como a água da qual não se vê nem a cor, nem a forma.

Várias notações de lugar: pela retina, por uma fonte, para o lago onde, que são realçadas pela cor cristalina e escuro e pelo som silente que está contrariado pela presença de juncais (pavor-medo-morte?)

Há uma curiosa ligação entre a ideia de fugacidade das imagens sugeridas nas quadras e a vacuidade dos seus olhos que não podem reter essas imagens.

Atente-se também no valor da pontuação: três frases interrogativas, a lembrar-nos Antero, o inquiridor, também angustiado; duas exclamativas e duas reticentes a conotarem a inquietação, a ansiedade, o espanto perante o inatingivel, o impossivel.

A poesia serve para caracterizar o comportamento de Pessanha quanto à noção de espaço. Porque nos oferece uma visão subjectiva, porque fala de imagens, aponta para o colorido dominante da sua poética carregada de indefinições, ideias vagas, fluidas, imprecisas tal como o seu pensamento que, por isso, rejeita a descrição. É uma técnica tipicamente impressionista pelo significado dos sons, pelo indefinido dos traços, pela leveza das imagens captadas subtilmente pelos sentidos. Aliás, em Pessanha, o simbolismo afirma-se com frequência, como tivemos ocasião de observar.

Publié dans Auteurs Lusophones...

Pour être informé des derniers articles, inscrivez vous :
Commenter cet article