Portugal na TAilândia-Instituto Camões em portugal! (Une alliance de 500 ans)

 

 

 

Número 164 · 4 de maio de 2011 · Suplemento do JL n.º 1059, ano XXXI


Não é todos os dias que vemos dois países tão distantes entre si – pelo menos geograficamente –, como Portugal e a Tailândia, assinalarem os 500 anos do primeiro contacto, especialmente se tivermos em conta que os primórdios do relacionamento entre ocidentais e asiáticos nem sempre gozam dos favores das historiografias locais. Só que as relações tecidas entre Portugal e a Tailândia, o então o reino do Sião, foram, a todos os títulos, peculiares ao longo dos séculos.

 

O que se está então concretamente a comemorar? Muito simplesmente «a chegada de Duarte Fernandes, enviado de Afonso de Albuquerque, durante o cerco a Malaca, à corte do rei Rama Tibhodi II», em Ayutthaya (a capital à época), diz Luísa Dutra, responsável pelo Centro Cultural Português/Instituto Camões (CCP/IC) em Banguecoque, entidade que tem estado empenhada, desde novembro – quando da passagem pela cidade do navio-escola Sagres, visitado por 20 mil tailandeses em 5 dias –, nas comemorações, organizadas com as autoridades tailandesas.

Embaixada de Portugal em Banguecoque
Edifício da Embaixada de Portugal em Banguecoque

«Nesse encontro, segundo relatam as fontes, o enviado português foi muito bem recebido, dando-se início a uma aliança histórica entre os dois países em termos militares, comerciais e políticos», explica Luísa Dutra, que desempenha igualmente funções de leitora do IC na Universidade de Chulalongkorn. Os tailandeses, acrescenta, «reconhecem» essa aliança «como ímpar na sua relação com o ocidente. Não só é a mais antiga, como tem a virtude de nunca ter sido ensombrada por qualquer tentativa de soberania».

O facto de coincidir com os 500 anos da tomada de Malaca pelos portugueses nem sequer constitui verdadeiramente um problema. Afinal, Albuquerque, ao apoderar-se daquele porto crucial no comércio com as Molucas, a China e o Extremo Oriente – a única entidade política que na península malaia escapava então à soberania do Sião – procurou a aliança dos tailandeses.

Para o embaixador de Portugal em Banguecoque, Jorge Torres Pereira, «quanto mais cultivada a consciência de como ocorreram efetivamente certos factos históricos, e tentando colocar as reações a determinados eventos (como a consolidação dum ponto estratégico como Malaca num empreendimento tão complexo como a expansão do comércio marítimo entre a Europa e a Ásia) no seu devido tempo histórico e enquadramento geopolítico mais se evitará exacerbar sensibilidades, que, temos consciência, estão bem presentes».

Igreja de Ayutthaya
Igreja de São Domingos Ayutthaya, antiga capital
da Tailândia. Foto Fundação Calouste Gulbenkian

O facto de se falar em aliança não é uma mera bravata histórica. Durante séculos, existiu na Tailândia uma comunidade portuguesa, cuja autorização de permanência no país vinha de uma longa série de serviços prestados aos monarcas siameses. «Fernão Mendes Pinto, na sua passagem por Ayutthaya, a que chamou Veneza do Oriente, relata a contribuição dada pelos soldados de fortuna portugueses nas diversas campanhas siamesas contra os reinos vizinhos; a guarda pessoal dos reis siameses integrou soldados portugueses pelo valor do seu conhecimento na utilização das armas de fogo e o bairro português chegou a contar cerca de 2.000 pessoas», diz Luía Dutra.

O primeiro tratado entre o Sião e um país ocidental – Portugal – data de 1516. Nos seus termos, «os portugueses acordaram em fornecer armas e munições ao Sião em troca da autorização do estabelecimento de feitorias comerciais em Ayutthaya, Ligor, Patani, Tenasserim e Mergui. Também lhes foi concedida a liberdade de culto religioso», segundo descreve o historiador inglês John Villiers, um especialista na região.

A comunidade portuguesa no Sião foi florescente, como atestam as escavações levadas a cabo no âmbito da restauração da Igreja de São Domingos em Ayutthaya (v. artigo neste suplemento sobre a exposição da Fundação Calouste Gulbenkian). Houve querelas, como seria de esperar num tão longo relacionamento, mas como sublinha Villiers, «em termos gerais, os portugueses não se imiscuíram na política complicada e perigosa da corte siamesa». E quando Ayutthaya foi destruída em 1767, em consideração da ajuda dada nas guerras contra o rei birmanês, receberam uma concessão de terrenos em Banguecoque, «tendo assim podido continuar uma longa tradição de presença portuguesa no reino do Sião».


SESSÃO EM BANGUECOQUE

Assim, não admira que o governo de Banguecoque tenha constituído «uma comissão interministerial para levar a cabo uma comemoração condigna», uma ideia que o embaixador de Portugal diz remontar a 2009. Ainda segundo o diplomata, «há algum tempo que está anunciada a oferta de um pavilhão em estilo tailandês (Salathai) a Portugal. Trata-se de um pavilhão em teca que será instalado no jardim fronteiro ao Palácio de Belém». Para além desta «significativa contribuição», «está prevista a oferta de uma edição sobre as relações diplomáticas entre os dois países, encomendada pelas autoridades tailandesas a uma instituição cultural crucial deste país (a Siam Society Under Royal Patronage)».

A «cerimónia solene» que assinala as comemorações terá lugar a 11 de maio, em Banguecoque, presidida pelo ministro dos Negócios Estrangeiros tailandês, Kasit Pyromira, em que o discurso da parte portuguesa competirá ao embaixador Torres Pereira.

Mas o programa das comemorações é bem mais extenso e incluirá o lançamento de um documentário televisivo sobre Portugal, a atribuição do prémio ao vencedor do concurso do logótipo dos 500 anos, seminários, edição filatélica comemorativa, o restauro da capela portuguesa da Igreja Conception (Wat Noi), em Banguecoque, o apoio à edição de livros sobre esta temática. «Fala-se ainda da realização, no estádio nacional de Banguecoque, dum jogo de futebol entre a academia dum clube de futebol português e uma seleção sub-19 tailandesa», refere o diplomata.

Afinal, se de Portugal os tailandeses têm, hoje em dia, «uma ideia algo desfocada no tempo», «para o tailandês comum o país é indissociável dos ídolos do futebol», reconhece Luísa Dutra, um facto «agora reforçado pela contratação de um treinador português, Henrique Calisto, para treinar o atual campeão nacional tailandês». De qualquer forma, sublinha a leitora, «é assinalável a admiração e carinho que [os tailandeses] têm pelos portugueses, não sei se devido ao facto de terem aprendido na escola que estes foram os primeiros ocidentais a chegarem ao Sião, se por terem deixado os fios de ovos, muito populares e muito apreciados e parte integrante de qualquer ementa festiva».

 

Número 164 · 4 de maio de 2011 · Suplemento do JL n.º 1059, ano XXXI


O património – arquitetónico e artístico – construído pelos portugueses no mundo, ou cujas características revelem uma influência portuguesa, é incontável. Parte estará preservada, parte estará abandonada, mas algum tem sido objeto dos cuidados de recuperação de índole vária, com a contribuição da Fundação Calouste Gulbenkian (FCG). Agora, esse trabalho desenvolvido desde 1956 na África oriental e na Ásia vai ser mostrado numa exposição itinerante neste último continente.

 

Em Banguecoque, onde vai ser inaugurada a 10 de maio, primeira etapa de um périplo que a levará a Jacarta e Macau no quadro das comemorações de Portugal na Ásia, a exposição coincidirá com o ponto alto da evocação dos 500 anos da chegada dos portugueses ao Sião, atual Tailândia, apoiada pela Missão Comemorações Ásia, Embaixada de Portugal e Instituto Camões.

 

Património português mostrado em Banguecoque
Foto Fundação Calouste Gulbenkian

A exposição The Portuguese Historical Heritage Throughout The World and the Calouste Gulbenkian Foundation, de que é curadora Maria Fernanda Matias, do serviço internacional da FCG, nasceu em 2001, tendo sido mostrada já em Paris (por duas vezes, a última das quais em 2010, na UNESCO), Bilbau, Barcelona e também em Portugal. Alvo de uma reformulação significativa, para atualizar a sua apresentação, a exposição não é sempre mostrada na mesma configuração – como agora acontece para se enquadrar no projeto da Missão Comemorações Ásia –, razão pela qual Maria Fernanda Matias reconhece que podemos falar de uma mostra de «geometria variável».

 

A exposição é, segundo a responsável do Centro Cultural Português/Instituto Camões (CCP/IC) de Banguecoque, Luísa Dutra, «a primeira iniciativa em que colaboram instituições dos dois países: a Fundação e o IC e, da parte tailandesa, o Fine Arts Department (FAD, organismo dependente do Ministério da Cultura) e o National Museum de Banguecoque», onde será mostrada até 2 de junho.

 

A colaboração entre o FAD e a FCG iniciou-se nos anos 80, quando esta última financiou as escavações arqueológicas no Baan Portuguet (‘Campo Português’), onde se situava a antiga feitoria – estabelecida depois o tratado de amizade e comércio de 1516 entre Portugal e o Sião – e três igrejas de Ayutthaya, a capital do reino tailandês até ao século XVIII, lembra Luísa Dutra.

 

«As escavações permitiram a descoberta de um cemitério com inúmeros esqueletos de adultos e crianças, portugueses e siameses, bem como objetos diversificados (moedas, medalhas, crucifixos)», acrescenta a responsável do CCP/IC. «Na fase seguinte procedeu-se à reabilitação do sítio. As ruínas da Igreja de São Domingos e parte do cemitério podem hoje ser visitados pelo público». A intervenção, concluída em 1995, contemplou também a construção de um pavilhão para albergar as dezenas de ossadas encontradas e um cais para permitir o acesso fluvial a partir de Banguecoque.

 

A mostra compreende enormes painéis com fotografias e textos relativos a intervenções efetuadas ou patrocinadas ao longo dos anos pela FCG, entidade que também é responsável pela edição de uma obra monumental em três volumes (entretanto traduzida para inglês), dirigida pelo historiador José Mattoso, em que é feito um levantamento exaustivo do património português no mundo até ao século XX.

 

 

 

ÁFRICA ORIENTAL E ÁSIA

 

Na África oriental mostra-se o Forte de Santiago, em Quíloa, na Tanzânia, edificado em 1505, e intervencionado em 1999 na base um projeto oferecido pela FCG, e o Forte de Jesus (construído a partir de 1593), em Mombaça, no Quénia, o primeiro monumento a ser restaurado no mundo pela fundação, em 1958, dois anos depois de uma visita de Charles Boxer e Carlos Azevedo – que recolheram informação publicada em livro e novamente alvo de intervenção em 2001.

 

No continente asiático, a exposição mostra duas fortalezas no Irão, a de Ormuz, iniciada em 1507 por Afonso de Albuquerque, e a de Qeshm, ligada ao dispositivo logístico de Ormuz. Relativamente a ambas, a FCG ofereceu às autoridades iranianas projetos de reabilitação.

 

Da Índia, a exposição evoca a instalação em Rachol, feita em 1994 pela FCG, de um museu de arte sacra indo-portuguesa, cujas peças foram posteriormente transferidas para o Convento de Santa Mónica, em Velha Goa, onde podem vistas no Museum of Christian Art. Ainda no campo da museologia, está o museu indo-português de Cochim, inaugurado em 2001, no Estado do Kerala, cujo projeto foi realizado pela FCG. No subcontinente indiano, mostra-se também a intervenção financiada pela fundação e terminada em 2009 na catedral de Calecute, construída pelos portugueses em 1724, e a intervenção na Igreja do Santo Rosário, em Daca (Bangladesh), de 1677, na base de um projeto desenvolvido pela FCG.

 

Chegada ao sudeste asiático, a exposição, depois de mostrar a reabilitação das ruínas da Igreja de São Domingos, da feitoria portuguesa de Ayutthaya, ‘segue’ para Malaca, com a apresentação da Porta de Santiago, o último vestígio da fortaleza construída pelos portugueses após a tomada da cidade por Afonso de Albuquerque, em 1511, e da Igreja de São Paulo, construída por jesuítas portugueses.

A cruz de Fernão Magalhães, monumento erigido em Cebu, nas Filipinas, no local em que o navegador português colocou uma cruz de madeira para assinalar a sua passagem em 1521, e o palácio da água, em Yogyakarta, na Indonésia, construído no século XVIII na base de planos de um arquiteto de ascendência portuguesa de Goa ou Malaca, completam as intervenções da FCG mostradas numa exposição em que, além dos painéis com fotografias, as maquetas constituem um dos principais motivos de interesse.

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