Às Crianças de Cercal do Alentejo !
photo de Alexandre Miguel Lourenço www.olhares.com
Às Crianças de Cercal do Alentejo !
Havia o céu branco como a cal e, as casas submetidas a enterrar-se no chão, contra os dardos do sol que descia, queimando tudo.
Havia uma escola primária. Não duas nem três, só uma!
Havia uma escola primária, de mãos dadas com o quintal da minha avó.
E haviam crianças chilreando, como bandas de passarinhos alegres ao chegar a primavera...
E no quintal da avó, a figueira gigantesca abria os braços para a criançada!
Havia também muita fartura voltando as costas à miséria. E, eu tudo vi!
Às vezes partia de casa com coisas para dar aos meninos e meninas que nada tinham, o que me valia uns açoites dos meus pais, não por dar mas, por eu não o dizer. É preciso explicar que os meus pais me haviam ensinado a partilhar!
Na escola havia um alçapão, com uma porta no chão onde escondiam as crianças malcriadas, desobedientes e, às vezes famintas.
Havia na aldeia quase um polícia à frente de cada porta; só a igreja abria o ádrio a toda a humanidade!
E havia uma vida alegre no Largo dos Caeiros, com as pessoas que chegavam e, as que partiam...
Então, eu gostava da aldeia, que está a mil quilómetros de mim sempre de pé, no meio de um mundo que desaba...como desabam os aguaçeiros da minha memória!
Mas, um dia parti e, fiz-me esquecer.
Hoje, na aldeia isto é vila, ninguém me conhece. Acabaram-se os sonhos antigos,a fé. Só se agarra à pele o vazio e o silêncio fazendo-me recordar o Cercal de então!
2003
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Dezembro, 2007