Hommage à deux poètes. Un vivant et, l’autre disparu: Amadeu Baptiste écrit sur José Régio!

Publié le par Rosario Duarte da Costa

image: wikipedia.org

Casa de José Régio (Aspect original)

image: casa exposição de José Régio

 

Hommage à deux poètes. Un vivant et, l’autre disparu:

Amadeu Baptiste écrit sur José Régio

 

Je sais qu’Amadeu Baptiste ne m’attend jamais où je suis…

Mais je sais aussi qu’il sait, combien j’aime sa poésie.

Et, nous savons tous les deux, que la Poésie est le saignement du

cœur et de l’Âme.

Dans ce Poème, il s’adresse à un autre Poète « José Régio », dont la

Poésie est dans mon cœur.

 

Poemas de Amadeu Baptista/Poèmes de Amadeu Baptista

 

 

PORTALEGRE, CASA DE JOSÉ RÉGIO

 

dou três passos em direcção

à casa e fico muito perto da sagacidade.

nada do que vejo é verdadeiro.

estas escadas não existem, esta sombra,

a mulher no quadro surpreendentemente

azul, o friso com ramagens e pássaros,

a destruição do silêncio, a névoa.

tudo em volta é, apenas, mediação,

um artifício para a ilusão e o conflito,

a porta entreaberta para lado nenhum

e nenhum sítio, a morte que se aproxima,

com a penumbra branca a desenhar os lábios,

a pálpebra, a palidez. o gesto desenvolve-se, separa. aqui, ali, este homem

é uma representação, um ciclo sob o vento,

a alma arde-lhe nas têmporas, com insistência

    arde,

no rumo da razão de empédocles em que se diz

“das coisas mortais não há criação”.

mas há aves no corpo, este corpo

translúcido que sobre a cómoda entretece

um modo reflexivo e imanente, correndo

para sempre com um breve fumo fulvo

ao longe, a arrastar o abismo para a planície imensa, a arder, a arder pelo oposto

    e a envolvência,

na crua simetria da escada, a memória

onde a mudança se abre ao inaudito,

a deus, ao demónio, à casa breve e anómala.

tudo foi inevitável aqui, a mão

prendeu o fio narrativo, o verso e o reverso

do destino, o homem no caminho

entre a sala e o quarto, a ver o incêndio

    ampliar-se,

a ver a rua retroceder, com um sentido

de brilho e possessão que não é deste mundo.

esta colcha brevíssima, o anjo sobre o leito,

a jarra nacarada sobre o contador castanho,

o veio na madeira, a pequena luz sob o tapete,

a varanda e o diminuto alpendre, a parede

de água em que desliza um possessivo veludo,

o cristo no desvão, com a cabeça

pendente sobre o peito, dão ao olhar a pura brevidade, a pura rendição, enquanto ninguém dorme. maravilhoso e fugaz é o lugar

    da sabedoria,

o homem cresce na escuridão, cresce

como uma constelação, um fio de vinagre

na boca, um certo amor perdido, enquanto

a palavra descreve, dispara um perímetro  

    longínquo

e eu cresço e diminuo, aqui, à porta desta casa,

a pedir um ponto de ruptura em tudo isto,

uma curva na estrada que volte ao corredor onde se inscreve a mancha de humidade

que explica tudo e nada é, ou foi, e pode já

    ser tudo.

mais um passo e poderei gritar, mais um passo

e poderei dizer que vim aqui por nada,

estava a esteva no exterior e entrei

para transfigurar o real, este dia de chuva

no espírito, a serrania em volta, a experiência

insaciável do auspício, a casa, a noite,

    a casa, sempre,

onde cada derrocada faz prevalecer

o contágio das vozes, a curvatura do arcos,

o telhado, a janela, os múltiplos estuários

em que os clarões se alicerçam, e os poemas,

certas construções a caminho das nuvens.

no livro vi a primeira dúvida, a rasura

crescente, em outra casa. aqui, a sós,

induzo-me a idêntica explicação, a tosse

na garganta, o doloroso carrego, o dedo

de um pronunciamento a alongar-se

sobre as espáduas, a replicar

à saudade uma luz obscura, com negros

contrastantes, como num sonho mau,

tenso, tenaz. anoitece em mim

como pode ter anoitecido na alma

deste homem, talvez o mar tenha este efeito demolidor, o mar ou a sua ausência.

percorro a casa e pronuncio silêncios estreitos, sempre encontro o coração noutro lugar,

    em chamas,

o coração que não vai por aí, o chão

de sulcos e rastros, onde o pó intratável

não retrocede nos séculos, há-de conter

esta aparição repentina, este rumor

de estações insuspeitas, queda a queda, grumo

    a grumo,

numa cidade tão improvável como um poeta,

sendo nós quem somos, filhos de retratos

insuspeitos em que nem a claridade toca,

nem a claridade consegue dessangrar.

aqui viveu o homem

que todas as ressonâncias confirmam

como um ser desolado, floresce no inverno

este constrangimento, dou um passo, outro,

sigo este percurso de volumetrias áridas

e rápidas ascensões e prometo-me não voltar,

prometo-me ficar nesta casa para sempre,

até que alguém chegue e me desperte. assim,

a têmpera e a sanguínea retomarão o nome

desta ausência, este homem flui

sobre o passado, volta comigo à pedra, à praia,

embora nestes sinais desconhecidos seja rasa

a euforia, a disforia,

cada um dos capítulos desta nave. por isso,

não me creias. já nada há para crer,

tudo é um vazio sem retorno

desde que te deixei ou este homem abandonou

a minha infância, sempre o li com a certeza

de um mistério anterior a nós, o mistério

que, muito provavelmente, nos fez reconhecer

a amplitude da dor, a vida passada

que vivemos sem que sequer o suspeitássemos,

a ave, a ave de sempre,

no meu e no teu sortilégio desabrido.

Rosario Duarte da Costa

Copyright

14/03/2012

 

 

 

 

Publié dans Auteurs Lusophones...

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