Carlos de Oliveira: Árvore (Micropaisagem)/Arbre (micropaysage)

Publié le par Rosario Duarte da Costa

KORA

Autor(a) PaNTeRa CoR-De-RoSa "olhares.com

 

Carlos de Oliveira

 

Foi em 01/01/2009, que eu traduzi o Poema de Carlos de Oliveira:

“Descida aos infernos”...

 

Um dos meus poemas preferidos do autor é:

 

Árvore (Micropaisagem)

 

I

 

As raízes da árvore

rebentam

nesta página

inesperadamente

por um motivo

obscuro

ou sem nenhum motivo,

invadem o poema

e estalam

monstruosas

buscando qualquer coisa

que está

em estratos

fundos,

 

II

 

talvez poços,

secretas

fontes primitivas,

depósitos, recessos

onde haja

um pouco de água

que as raízes

procuram

de página

em página

com a sua obsessão,

múltiplos filamentos

trespassando

o papel,

 

III

 

seguindo o fio

da tinta

que desenha

as palavras

e tenta

fugir ao tumulto

em que as raízes

grassam,

engrossam, embaraçam

a escrita

e o escritor:

como podem

crescer

de tal modo

 

IV

 

no poema

se a árvore

foi dispersa

em pranchas de soalho,

em móveis e baús

que fecham

para sempre

coisas

tão esquecidas,

como podem

romper

de súbito impetuosas

na aridez

do livro

 

V

 

e perseguir-me

assim,

se a areia

donde vêm

já vitrificada

pelo tempo

oculta

a árvore

que morreu:

 

procuram

instalar-se

no interior da linguagem

ou substituí-la

por uma

infiltração

 

VI

 

quase mortalizante:

mas

de repente

como apareceram

as raízes sossegam

[que terão

encontrado?]

e retiram

com o mesmo fluxo

do mar que se retrai

e deixa

atrás de si

silêncio:

 

 

VII

 

é então que vejo

no halo mais antigo

a árvore desolada,

os ramos em que poisam

as aves

doutros livros,

e pressinto

as raízes

através da sílica

onde a família dorme

com os ossos dispostos

nessa arquitectura

duvidosa

de símbolos

 

VIII

 

que chegaram

aqui

de mão em mão

para caberem todos

na constelação

exígua

que fulgura

no canto do quarto:

o baú ponteado

com o céu

por tachas amarelas,

por estrelas

pregadas na madeira

da árvore.

 

Carlos de Oliveira

 

Traduction

Arbre (micropaysage)

 

I

 

Les racines de l’arbre

explosent

de cette page

inopinément

par une raison

obscure

ou sans motif aucun,

envahissent le poème

et éclatent

monstrueuses

cherchant quelque chose

qui se trouve

dans les strates

profonds

 

II

 

peut être puits,

secrètes fontaines primitives

des dépôts,  recoins

où il y ait

un peu d’eau

que les racines cherchent

de page

en page

avec leur obsession,

des filaments multiples

trépassant

le papier,

 

III

 

poursuivant le fil

d’encre

les mots

elle tente

fuir au tumulte

dans lequel les racines

sévissent, gênent

l’écrit

et l’écrivain :

comment peuvent-elles

pousser en tel mode

 

IV

 

dans le poème

si l’arbre

fut dispersé

en planches de plancher,

en meubles et bahuts

qu’enferment

pour toujours

des choses

si oubliées,

comment peuvent-elles

rompre

soudain impétueuses

 

V

 

et me poursuivre

ainsi,

si le sable

d’où elles viennent

déjà vitrifié

par le temps

occulte l’arbre

qui est mort :

 

ils cherchent

à s’installer

à l’intérieur du langage

ou le remplacer

par une infiltration

 

VI

 

presque

mortelle

mais

soudainement

comme sont apparues

les racines se calment

[qu’auront-elles

trouvé ?]

et enlèvent

avec le même flux

de la mer qui se rétracte

et laisse

derrière soi

silence ;

 

VII

 

et alors je vois

dans le halo plus ancien

l’arbre désolé,

les rameaux ou se posent

les oiseaux

d’autres livres,

et je pressens

les racines

à travers le silice

où dort la famille

avec les os disposés

dans cette architecture

douteuse

des symboles

 

VIII

 

qui sont arrivés

ici

de main en main

pour pouvoir rentrer tous

dans la constellation

exigue

qui fulgure

au coin de la chambre :

le bahut pointillé

avec le ciel

par des tâches jaunes,

par des étoiles

clouées au bois

de l’arbre

Carlos de Oliveira

 

En le traduisant, je veux apporter une  démonstration de plus,

c'est à dire, que la Poésie portugaise a une grande place dans

le poésie du Monde!

                                                                        Traduit par: Rosario Duarte da Costa

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19/10/2012

 

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Activités romancier
Naissance 10 août 1921
Belém
Décès 1er juillet 1981 (à 59 ans)
Lisbonne
Genres roman, poésie

Carlos de Oliveira (né le 10 août 1921 à Belém, au Brésil - mort le 1er juillet 1981 à Lisbonne) est un poète et écrivain portugais. Il est né dans une famille d’immigrants portugais qui retourne dans son pays d’origine en 1923.

Diplômé de l’université de Coimbra en histoire et en philosophie en 1947, il s’installe définitivement à Lisbonne l’année suivante. À cette époque, il noue une amitié avec Joaquim Namorado, João Cochofel et Fernando Namora. Son roman Alcateia est victime de la censure du régime de l’Estado Novo.

Œuvres[modifier]

Poésie
  • Turismo (1942)
  • Mãe Pobre (1945)
  • Descida aos Infernos (1949)
  • Terra de Harmonia (1950)
  • Cantata (1960)
  • Sobre o Lado Esquerdo (1968)
  • Micropaisagem (1969)
  • Entre Duas Memórias (1971)
  • Pastoral (1977)
  • Trabalho Poético (1977–78)
Fiction
  • Casa na Duna (1943)
  • Alcateia (1944)
  • Pequenos Burgueses (1948)
  • Uma Abelha na Chuva (1953)
  • Finisterra (1978)
Chronique
  • O Aprendiz de Feiticeiro (1971)
  • 

 

Dois poemas de Micropaisagem (1)

Letras e Letras 61, Dez. 1991

 

 

1. Constitui lugar comum dizer que toda a obra (poesia e prosa) de Carlos de Oliveira não tem senão um tema: a Gândara. Se isto não é rigorosamente verdadeiro, também, convenhamos, não se desvia muito da verdade.

E pelo que a Micropaisagem se refere, eu creio que é particularmente pertinente em relação aos dois primeiros títulos: Estalactite e Árvore.

E era, justamente, sobre esses dois poemas que eu gostaria de tecer algumas considerações.

É que em ambos há preocupações que têm a ver com a definição de uma Arte Poética e em ambos há também um sentido de metamorfose, de transformação (reversível no 1º caso, onde se pode falar de um ciclo do cálcio que se inicia com a dissolução do calcário e termina pela sua precipitação para recomeçar de novo e irreversível no 2º caso onde pela presença do homem a árvore acaba por se transformar em pranchas de soalho, em móveis e baús que na melhor das hipóteses passarão a funcionar como um signo que a memória registará).

 

2. Vejamos, então, o poema Estalactite.

A estalactite é uma formação colunar de carbonato de cálcio que é comum em grutas calcárias e que aparece na zona de Cantanhede-Ançã, precisamente no limite oriental da Gândara, que o escritor bem conhecia.

Que a poesia de Carlos de Oliveira pretende dar conta das transformações e ser ela própria mimética em relação a elas é o que julgo poder deduzir-se do modo como as alusões à escrita poética se imbricam com a alusão ao fenómeno natural da dissolução e precipitação dos calcários.

Há uma verdadeira intersecção dessas duas áreas que as aproxima até quase à identificação. Vejam-se a título de exemplo:

[...] para / a cal / florir / nesta caligrafia / de pétalas / e letras /(p. 35); o pulsar / das palavras / atraídas / ao chão / desta colina (p. 37); olhá-las [as palavras] / como imagens / no espelho / que as reflecte / de novo / compreensíveis / e tornar / a juntá-las/ obsessivamente / ao ritmo da pedra / dissolvidas /(p. 43); [...] o cristal / incerto do poema / entre / a água / e a cal / (p. 50).

O poema apresenta-se dividido em 24 partes (estâncias numeradas de I a XXIV), contendo cada uma 14 versos sem ruptura de continuidade, qualidade que me parece ser de destacar. Ainda que algumas das estâncias terminem por um ponto (I a XI), a maioria termina ou por vírgula, ou por dois pontos ou, pura e simplesmente, a estância liga-se à seguinte sem nenhum sinal de pontuação a separá-las, explicitando, assim, a meu ver, essa solução de continuidade, de relacionamento que outros aspectos confirmam.

Tal relacionamento ou diálogo traduz, quanto a mim, o aspecto mais interessante de Estalactite e faz-se, por um jogo de acções e reacções veiculadas por um conjunto de 10 substantivos, muito frequentes, a saber: água (aparece 11 vezes), cal (10 vezes), colina (7 vezes), espaço (4 vezes), flores (9 vezes), gotas (8 vezes), milénios (4 vezes) e pedra (7 vezes).

Este núcleo lexical define um campo semântico em que se pode distinguir: de um lado, um agente activo, a água (que promove a dissolução, a degradação, a destruição, em suma); do outro, três agentes passivos que possuem entre si relações (do particular para o geral: cal, pedra, colina).

O agente activo, a água, fonte de vida, meio de purificação, centro de regeneração (2), processa a sua acção sob a forma de gotas e tendo em conta o seu peso, qualidades que, de resto, a própria pedra possui, como se pode ver pelos seguintes exemplos:

[...] gotas de água / ou pedra / levadas / pelo seu peso / (p. 35 e 49); [...] o peso / da água / a tal distância / é quase imperceptível, / porém pesa, / (p. 41).

Significa isto que gotas e peso estabelecem a ponte entre o agente activo, a água, e os agentes passivos, a cal, a pedra e a colina e contribuem decisivamente para a reversibilidade desta acção: a dissolução da pedra e a precipitação da  pedra sob a forma de flores ou de estalactites, como o título refere.

Trata-se de acções e reacções que se processam num certo espaço ao longo de períodos de tempo que se medem em milhares e em milhões de anos, o que no poema é traduzido quer pela palavra tempo, quer, e sobretudo, pela palavra milénios.

A recriação de todo este conflito, pois que de um conflito se trata, com as suas degradações e agradações (no sentido do inglês agradation) constitui o poema.

            Esquematicamente, poderíamos representá-lo assim.

 

                          ??????????????? 

 

Diríamos, então, que numa primeira fase haveria a pedra (afirmação) a que se seguiria a dissolução da pedra (negação) e finalmente a precipitação das flores calcárias (negação da negação), síntese que é simultaneamente, como o próprio poeta diz, água e pedra: sombra / som [...], material de que se faz o próprio poema, ele também a síntese possível (o aproveitamento da explosão, em O Aprendiz de Feiticeiro, p. 265) ou de  Estalactite: [...] o crepúsculo / entrando / poro a poro / pela mão / que escreve / encaminhando-as / entre / a pouca luz / do texto / à sílaba inicial / da única palavra / que é / ao mesmo tempo / água e pedra: sombra, / som [...] (p. 53).

É difícil não ver no poema uma espantosa metáfora de todo o ciclo da vida humana (apesar da reversibilidade apontada no início) e ao mesmo tempo uma mal disfarçada Arte Poética. Senão, vejamos (p. 44 e 45):

[...] perdê-las [as palavras] / entre a cal e a água / espaço / de tensões obscuras / [...] reavê-las / num grau de pureza / [...] quando / o poema / atinge / tal /concentração/ que transforma / a própria / lucidez / em energia / e explode / para sair / de si [...].

Há aqui, creio eu, uma clara semelhança entre a construção do poema (pela purificação das palavras) e a construção-destruição (agradação-degradação) da paisagem.

 O poema nasce quando o limite / da estabilidade, / o equilíbrio / é transgredido e que coincide no espaço, coberto por um céu calcário, com a génese das flores calcárias.

Ambos os acontecimentos não pode(m) / com mais silêncio / oculto [...] e representam a superação possível num espaço de óbvias tensões obscuras.

Cabe referir ainda a utilização de certos sinais gráficos como setas, chavetas, parênteses rectos (incomuns em poesia) e que servem para acrescentar significado do modo mais condensado e mais aparente significado e relação.

            Sirvam de exemplo:

            água      cal;   cal      colina               a cal                            a água

                                                            entre                            entre                      som(bra)

                                                                        e a água                e a cal

 

Ao que atrás se disse acrescente-se ainda o emprego de versos extremamente curtos (às vezes mono-, di- e trissilábicos) e de aliterações que mais nos comunicam essa sensação de gotas de água caindo de um tecto.

Como exemplo, vejam-se as aliterações em [p] e em [k] da p. 41: imperceptível / porém pesa, / paira, / poisa no papel / um passado / de pedra / [cal colina] / que queima / quando / cai.

3. Em relação ao poema Árvore, que de uma forma tão conseguida traduz a ligação à terra (à areia) da própria família do poeta, poder-se-ão fazer comentários muito semelhantes aos anteriores. Vale a pena, julgo eu, ler ou reler o capítulo Na floresta, de O Aprendiz de Feiticeiro (3), a este propósito.

"A árvore é símbolo da vida, em perpétua evolução, em ascensão para o céu e evoca todo o simbolismo da verticalidade. Por outro lado, simboliza o carácter cíclico da evolução cósmica:  morte e regeneração, sendo assimilada à mãe, à fonte, à água primordial da qual possui toda a ambivalência (fálica e matricial)" (4).

Neste poema, o poeta exprime o real e simultaneamente o modo de o passar à escrita poética; dessa ambivalência nos fica, como característica masculina, a penetração das raízes da árvore (no chão, nas páginas do livro, na própria linguagem:

as raízes da árvore / rebentam / nesta página / [...] invadem o poema  (p. 55); [...] que as raízes / procuram / de página / em página / [...] trespassando o papel / (p. 56); [...] como podem / crescer [as raízes] / de tal modo / no poema, / se a árvore / foi dispersa [...] (p. 58); [...] procuram / instalar-se [as raízes] / no interior da linguagem / (p. 59); e como característica feminina a dispersão da árvore nas areias onde repousam para sempre os ossos da família: [...] e pressinto / as raízes / através da sílica / onde a família dorme / com os ossos dispostos / nessa arquitectura / duvidosa / de símbolos / [...] (p. 61).

A árvore não é aqui mais o agente fecundante; é a matriz a que finalmente se regressa e assim a árvore (o real) transforma-se em puro símbolo, é um registo na memória sob a forma de [...] baú ponteado / como o céu / por tachas amarelas, / por estrelas / pregadas na madeira / da árvore (p. 62).

Também aqui é visível essa intersecção/identificação entre o mundo real e a escrita.

E também aqui há uma árvore (afirmação) que morre (negação) e se transforma em pranchas de soalho e em baús (negação da negação), caminho que o poema acompanha com as suas contradições; recorde-se que o baú assume ainda uma especial importância enquanto sustentáculo de um passado de que guarda a memória, tema, de resto, tão caro ao poeta.

 

4. Se podemos falar de uma linguagem rigorosa na poesia de Carlos de Oliveira, em geral, e nestes dois poemas, em particular é que alguns filtros se interpuseram entre a realidade e o escritor, o primeiro dos quais é o tempo.

Tem-se a sensação de que o poeta escreveu os seus poemas, não a partir de uma análise visual directa do real mas por recurso à memória onde esse real estava já reordenado e reclassificado.

O grande esforço de contenção, de condensação do vocabulário ao seu essencial, faz desta poesia a expressão de uma linguagem fortemente ascética e plurissignificativa mas é também a expressão de aturado trabalho oficinal. Raras vezes a poesia me deu qualquer coisa de graça, dirá em O Aprendiz de Feiticeiro.

___________________________________ 

Bibliografia:

(1) - OLIVEIRA, Carlos de, Trabalho Poético, v. 2, Livraria Sá da Costa, s/d (1976?)

(2) - CHEVALIER, J. -  e GHEERBRANT, A. -, Dictionnaire des Symboles, Paris, Seghers, 1973, vol. 2

(3) - OLIVEIRA, Carlos de, O Aprendiz de Feiticeiro, Publicações Dom Quixote, 1971

(4) - CHEVALIER, J. - e GHEERBRANT, op. cit., vol. 1

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